julho 23, 2008

...e o projeto Le Mur chega ao fim


Para conhecer um pouco a respeito dos trabalhos que serão expostos, clique AQUI e baixe o pdf.

A exposição Pátria que o pariu que acontecerá em setembro de 2008, em Goiânia, reunirá 12 artistas que participaram das intervenções no muro da Aliança Francesa em 2006 e 2007. Ela encerra oficialmente as atividades relacionadas ao Le Mur.


O Zine também pára aqui: ao todo foram 4 números. Seu conteúdo está disponível na íntegra neste blog. Bom deguste!

E que venham outros muros, de qualquer natureza!

Abraços!


(em breve disponibilizaremos aqui os registros da exposição - aguardem!)


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Segue logo abaixo o texto traduzido de Yvan Avena feito para o convite da nossa exposição:


A arte do Brasil amanhã


Eu sou um homem velho. Ao longo de mais de meio século eu acompanhei a evolução da arte moderna em países onde eu vivi: a Argentina de Espártaco Madi, a França de toda vanguarda, a Suécia romântica e contestadora, Guiné-Bissau onde a arte é sagrada, Guatemala verdadeira herdeira da cultura Maia, e agora Brasil, que inventa, pacificamente, o seu próprio futuro. Tal como todos os verdadeiros amantes da arte, estou particularmente interessado em artes e nos artistas da minha geração. Admito que algumas vezes eu acho difícil compreender a arte produzida por jovens artistas. Às vezes eu mesmo me indigno quando propõem como "avant-garde" alternativas arqui-conhecidas da história do dadaísmo. Portanto, não é complacente o observador que esses artistas utilizam para a sua apresentação. Eu ainda acredito que se eu não tivesse visto o trabalho do grupo numa das paredes da Aliança Francesa de Goiânia, hesitaria. Mas num local impossível, um estreito corredor, eles souberam, por dois anos seguidos, alcançar um mural excepcional. Cada um com seu estilo particular, mas num estado de espírito coletivo e de crítica, eles perceberam o que raramente é visto hoje nos salões e galerias: um trabalho com significado e conteúdo. É por isso que eu apoio e recomendo para os verdadeiros amantes da arte visitar esta exposição. Também porque ela representa a arte do Brasil amanhã. Atrevo-me mesmo a dizer que se um artista goiano desta geração alcançar, em alguns anos, a fama nacional e internacional, é entre eles que você irá encontrá-lo.


Yvan Avena (ex-galerista e poeta)

Marly Cavalcanti e Cristina Laranja Ribas

O muro é mais que muro, sua significação simbólica mora em muitos lugares, mas certamente o Muro nos convida, nos inquieta. Intervir no muro é permitir que ele faça a nós o convite de deixar o concreto recorrer ao movimento. As pedras lançam as possíveis conexões e nos pedem que passemos por elas com a nossa marca e desejo para interferir sempre.
Valeu pelos muros inventados!

Marly Cavalcanti - MG - Março 28, 2007 3:47 PM

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Imagem: Cristina Laranja Ribas

Emanuel Alegre

Saliva
Emanuel Alegre - Buenos Aires/Argentina

Cuando era chico y creía, salivaba sobre mis lastimaduras creyendo que así me curaría más rápido. Si Buck, mi perro, lo hacía después de sus frecuentes peleas y funcionaba, ¿porqué no iba a funcionar conmigo? También tuvo que ver con esa idea de lengüetearme un sermón de mi abuelo, que es pastor, dónde decía unas palabras como “Y por tu interior correrán ríos de agua viva”. Si yo era un chico bueno como decían Mamá y Papá y los abuelos y los tíos y todas las personas mayores con las que nos cruzábamos, entonces mi saliva era como un arroyito de esa agua.De grande, olvidándome de creer, busqué la saliva muchas veces, tanto propia como ajena, para poder curar mis heridas, como Buck. Pero ya había olvidado para qué la necesitaba. Al final, tantos otoños e inviernos (no recuerdo primaveras y no soporto el calor del verano) convirtieron mi cauce interior en un amasijo de barro denso y amable que brotaba por mi boca de tormenta desparramando su hálito pesado de asesino de puentes y devorador de molinos. Bañé cuerpos enteros, inundando cuevas, recogiendo las sales que brotaban de los campos trabajados por el incesante esfuerzo de vaivén y el arado fálico. Desparramé el vapor de mi saliva por los ciclones horadando todo oído que no quisiera escuchar, copulando con las palabras de todo desprevenido que se detuviera para hablar conmigo sin percatarse de los gases insolubles.
Pero la saliva no se agota. Un manantial procedente de algún lugar cercano a mi escroto alimenta ese arroyo que por las noches se derramaba por mi boca para mojar la almohada y ahogar los sueños. De ves en cuando algo de ese barro amable y taciturno que se despereza en las paredes del pozo sale a borbotones en medio de la saliva. Generalmente es cuando sueño con la gente que es un era, tanto porque se les ha acabado el tiempo acá, o porque la estupidez propia y ajena les tapó los poros, les selló los ojos, boca, oídos, culo, orificio urinario, todo, con una membrana de ego. Yo también estuve muchas veces recubierto por la membrana, pero la saliva la fue lavando poco a poco, lengüetazo a lengüetazo, incorporando a mi interior la áspera y amarga densidad de la película, que asfixiada en mi arroyito, se vuelve barro. Cuando el barro brota, lo hace como un nene tímido que mira en todas direcciones intentando atisbar a los otros chicos que siempre se burlan de él y le pegan por dentro y por fuera, y como no los ve, explota, corre en todas direcciones como las primeras olas del Diluvio. Cuando me despierto me siento una anguila, nadando feroz por disfrutar el barro y zafarme de él, por hallar la parte más profunda y ocultarme bajo la capa de sedimento pegajoso y hediondo. Pero me gusta, ese barro me gusta más que la saliva. Tal vez por eso muchas veces no me importa que la membrana me cubra y forme capa sobre capa sobre capa hasta conformar un especie de callosidad, la saliva lo convertirá en barro y el barro, me convertirá en anguila.
Una anguila.Todos saben que las anguilas son difíciles de atrapar, que es imposible atraparlas, imposible contenerlas con manos, redes, anzuelos, sogas. Imposibles con casi todo, excepto por ese punto débil tan común en ellas y en nosotros: la boca.

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Edivaldo Jr - Reijane Cunha - Bruno Melo

Imagem: intervenção de Edivaldo Jr - 2007
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(em)tramas

Agrego elementos, partes de mim e dos outros. A tudo o que o homem está exposto, de tudo o que ele é formado. Os seres são híbridos. As incontáveis vozes ecoam das vísceras, um corte sempre aberto na multiplicidade do mundo. A desintegração sígnica do concreto. Aqui os elementos compositivos formam o dentro e o fora, não há identidade garantida nem a ausência dela. Aquilo que se afigura pretensamente como obstáculo corre nas suas veias.
Reijane Camarada - Artteria - GO
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Interfiro em um muro, na colocação de uma maçaneta pertencente a uma porta, para questionar o funcionamento sócio-intelecto-econômico da sua existência delimitadora e abrindo sua esfera e sugerindo sua insignificância.

Bruno Melo - Artteria - GO

Cris Alves e Artur Gomes

Imagem: intervenção de Cris Alves - 2007
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VeraCidade
(Artur Gomes - RJ)

porque trancar as portas
tentar proibir as entradas
se eu já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e este asfalto sob a sola dos meus pés:
agulha nos meus dedos

quando piso na augusta
o poema dá um tapa na cara da paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário:
joão guimarães rosa martins fontes caio prado
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
são paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora

J. Bamberg

NO MURO1,2

p/ Alice Fátima Martins, Manoela Afonso y Don José Alvarez

J Bamberg
Gyn-Go/BsB-Df Abril/outono 2007
Verso 1

No Sertão do Razo da Catarina, onde nascí, diz-se que aquêle que atravessa as suas terras brutas, em verdade, navega, na sua imensidão sêca, no seu mar entreliçado de caatinga e de calor escaldante. Assim sendo, sou um navegante diferente, pois que, montado num burrão bem reiúno, repente, investido dos meus paramentos, das minhas esporas-4-Potosí, do meu manguá-de-rêlho, peiteira, gibão, luvas e chapéu de barrigueira de suçuapára, perneiras da costaneira do mesmo bicho e tudo o mais que nos componha, abaixo de Deus, dos carcará e dos urubu, nos seguindo, em sombra, o meu Rizo, cachorro boca-prêta, rajado-caatingueiro-do-rabo-fino. Onde vou, ele, lá... Sou o encourado que por lá trafega os seus recônditos mais inextricáveis à toando a boiada inconsútil em meu tropel. E isso, desde muito antes de até haver nascido, pois que tocou-me vir ao mundo bem no meio dessa terra ressequida, debaixo de um pé-de-umbuzeiro de frondão bem protetor, refrescador de quase todas as misérias circundantes e ameaçadoras de sempre, logo ao fêcho de um dia de começo de outono, o primeiro com chuvada boa e morna, depois de fechado o sétimo ano de estio por lá. A menina que me pariu, minha mãe, já assustada, comigo no seu colo a esturricar-lhe os peitos, sedento, puxando-lhe as suas águas no colostro, buscava forças para a nossa travessia em seguida e em riba de um carro-de-bois, em junta traquejada, até o pé do muro que restou de velho sobradão largado lá no meio do tempo, onde nos arranchamos a contra-vento, com todos os petrêchos, animais de monta e carga, agregados, parentalha, e isso, escarreiradamente, depois do meu anúncio, em chôro troado, de que viera a êste mundo para decifrá-lo! E assim, cheguei, chegamos e para isso aquí estamos, todos, em vida de decifrações contínuas, eternas. Riposto velhas sinas. E aqui, hoje, um velho encourado, curtido nos sóis dos dias, conto-lhes os "por quê"...

Verso 2

Ter um muro como referência, destino, Estrêla-de-Belém a ser perseguida é como marcar a ferro em brasa a saga de ida em frente, até passarmos as horas das formulações, questionamentos e outras instruções de como re-fincá-lo em um ponto adiante na re-invenção do tempo por todos nós; navegantes. Pois, se êle é eterno, e, o é, essa fatia à qual renominamos de, agora, hoje, amanhã, realidade, seria tão sòmente mero recorte, marcação de passagem, afirmação do nosso nome assentado na sua face de pedra e cal, no muro do tempo, do lado que o sol nasce, e êle, o muro preconcebido está lá desde sempre, qual fragmento do todo, como um arco é uma fração do círculo. Assim, êsse muro/recorte nos precede e se assenta abrigo primeiro, detalhe da montanha e da caverna que nêle há, brique-a-brique da muralha ciclópica que, ilusòriamente, nos defenderia do "outro", do inimigo, em tempos muitíssimo para trás, antanhos.

Verso 3

Um muro é, na verdade, o não-limite-falso-determinado, assinalado, a nos provocar falas internas diante das suas miragens fronteiriças: "...Me ultrapasse. Vença-me e vá-se embora! Vença o mundo e êle será seu, a seu tempo..." . Sendo êle próprio a sua mesma marca revelada na sua própria sombra, na vala que nos separa em antes-e-depois da sua, nossa, construção, anunciando-se em nós, nêle mesmo, em suas lascas de pedra-de-lajêdo amontoadas, fincando o marco do outro lado onde estão os nossos outros, os inimigos e seus corpos formando o rebôco que forra a outra face desconhecida dêsse mesmo linde, mas, que vemos mui raramente, apenas quando passamos a sua linha de lado, sua claridade ou sombra, luz ou escuridão, o agora ou o desconhecido, nós ou êles, ess'outros, do lado de lá do muro sobre-erguido a cada dia das nossas vidas em constante de construção e desconstrução estampando nossa toda estupidez, nossa insanía, sanha de sangue, o des-limite, o nem ser, a pior forma de validamento do dispensável. É, esse muro, feito da compostagem dos corpos dêsses nossos outros, apesar, de, quando em vez, da consciência auto-crítica e sua boa paga em moeda de quase possível, em perenidades, boa Paz.
Verso 4

O muro é o arrimo para a miríade de vidas que o constrói, seja para os musgos nas entre-lascas das pedras ou na água barrenta fervilhante de micro-organismos a dar unto à sua massa de rejunte. Sêco, ao sol, parece ôlho de môsca, um pedaço grande de mica laminulada, um broche inteiro de macassita rebrilhante ou um painel de espaços para as mais variadas inscrições, a sangue pisado, a piche, spray, raio laser, sei lá mais o que. Fulano esgravatou-lhe uma rosácea, muito depois do índio ancestre riscar de urucum e sangue vivo a sua vitória contra um mapinguarí impossível. Beltrano fixou em vermêlho-e-prêto as mais terríveis imprecações sôbre si mesmo e sua amada improvável. Sicrano escrachou a todos com palavrões e desenhos de extra-terrestres. E, uma velha senhora, em idiolêto só seu, mas, plenamente compreensível aos seus pares, lascou: " - teun cauvãu pafôgu béinbõ 200 alátra" ... U'a moça da cidade, veio, fotografou, filmou tudo e perguntou de tudo a todos, e se foi, como um risco feito no muro, de ponta a ponta, em linha irregular a perpassar todas as demais formas e micro-vidas alí postadas... Nêle foi afixado o édito da derrocada de Babel, a fala do meu em suas ruínas quanto à dôida afirmação do nosso e que antes a empilhara em tôrre que buscava os céus do não-futuro, do jeito que se havia, em negação fragílima do imprecatável. Destruída, sobrou-lhe o radier e coisa de metro-e-quase-dois, da sua base original e todo o mais, devidamente calcinados pelo Fogo do Castigo.
O muro atávico esboroou-se e o que hoje existe o faz sôbre outros muito antigos muros afundados em raconte de estórias que, repetidas, viraram história: "...Veridiano-benze-quem e seu bravo cachorro 'Vence-demanda' morreram fuzilados, igualmente aos seus avós, encostados bem alí, no paredão de pedras, por conta de uma eleição apoiada do lado errado do muro!...". É o que se diz, lendo-se a sentença da sua condenação real. Aliás, não interessa o contexto se a referência é tão sólida e marcada das cicatrizes do ricochête das balas "7.62-ponta-de-cruz". O muro ficou e êle, o Veridianão falado, hoje, é um fantasmão, mais o seu cão-alma, correndo pelos bêcos estreitos nas madrugadas sem lua, na Vila de Santantõi de Lisbona, distrito do Krenguenhén, no Sertão-de-Deus-o-tenha, sussurrando: LIBERDADE!... O muro, lá, impassível, com as suas espinhas na cara a contra-sol. Já o meu cachorro Rizo não pode avistar um muro. É só chegar, cheirar e afirmar os limites com a tinta breve do seu mijo ardido, em colocação " ad nauseam" do seu todo poder de bicho-macho. A cada vez que alguém passa, êle avisa em seu latido que aquém do limite tem estranhos e que isso não é o certo e que carece de providências e consêrtos, fazendo alarido apoiado na cachorrada moradora de outros cantos de muro, em côro de infeliz concêrto. Um muro, se mal entendido também poder ser um cêrco asfixiando-nos na fronteira nervosa e medrosa da xenofobia do intra-muros, no mêdo do outro, nos mêdos em régua-torta de perdição da noção básica da razão mínima. Havemos que vencer os mêdos, haveremos que pular os muros, venceremos em vira-mundo, trocando de caminhos, varejando as outras trilhas das verêdas e dos paços, buscando-se as passagens que nos levem à boa água, ao melhor destino, certamente, isso tudo, extra-muros, pois o sertão nosso, interior, quer a água da alegria, não se cabendo lindeiro, pois êle mesmo se quer avançar em busca de outros chãos mais úmidos que ofereçam fermento de mais e mais vida em abençoada abundância.

Verso 5

Afinal, a gente não nasce para o que esteja marcado na parede singela do muro da vida que recebemos para transformá-la. A vida se quer nisso, nessa mudança a toda hora, porisso, não se cabendo no tempo que a sombra do muro marca. A vida é sempre mais e mais e mais, muito além dos limites, além do horizonte longínquo, do traço das elipses, muitíssimo para lá das zonas mais densas e escuras do cosmo onde nascem as nebulosas com todas as constelações que nem sabemos porquê.
Ela, a vida, não cabe no muro do universo e vive e revive no infinito, pousada numa dobra da Mão de Deus, bem p'rá lá de quaisquer muros e nos oferecendo o convite em desafio eterno e simples: "Vem!...”

1. Versão condensada.
2. O autor prefere o uso de estilo em prosa-poemática anacoluta como meio de preservação de falares ancestres da nossa língua.