maio 06, 2007

Alexandre Barbosa

A reinstitucionalização da arte: miséria do artista

Alexandre Barbosa - 05/02/07 - Goiânia/GO


A intenção aqui é simplificar, sob uma ótica baseada na teoria crítica - ou “modernista”, se preferirem; o debate sobre a arte no período atual, que chamamos de “pós-modernidade” ou “ultra-modernidade”, conforme o ponto de vista diante de uma eventual ruptura com a arte moderna.
O conceito de arte que utilizamos é aquele que Bourdieu atribui ao discurso tradicional da academia de arte, presente nas entrelinhas de textos de autores como Gombrich, entre outros. Este conceito é bem simples e funcional: Arte é um tipo de produção cultural que não é criado para atender a uma demanda pré-determinada. Assim, arte se diferencia de artesanato, pois este segundo tipo de produção atende a uma demanda pré-determinada, podendo ser considerado assim, como um “produto comercial”.
Se estes conceitos existissem em estado puro e não fossem fundidos ou mesclados, como de fato são, poderíamos facilmente separar uma obra “artística” de uma “artesanal”, ou ainda “comercial”. Por exemplo, quando vamos a uma galeria para madames perto do Flamboyant e compramos uma paisagem goiana, estamos, naturalmente, comprando uma peça de artesanato.
Ao contrário, quando vamos ao Salão Flamboyant e contemplamos um “Jardan Secret” de Juliano de Moraes, estaremos então, diante de uma verdadeira obra de arte.
Definido o conceito de arte e entendido como um tipo fluído, podemos agora ir ao ponto que interessa: qual é a característica da arte atual (quer a chamemos de “pós” ou “ultra”), que a diferencia da arte moderna?
A resposta fica muito clara a partir de uma perspectiva histórica. A arte, ao longo de sua história, quase sempre assumiu um papel de reforço à instituição cultural, política ou social vigente. A arte grega até hoje embriaga aqueles tocados pelo padrão ariano de beleza e elegante simplicidade; a arte renascentista glorifica o homem, entendido à imagem da nova aristocracia da época, ascendida através do comércio.
Mas a modernidade trouxe, no período de seu vigor produtivo, um novo paradigma para a produção artística. As ideologias associadas com o modernismo - socialismo, comunismo, anarquismo, fascismo - têm em comum na sua essência, o niilismo - desejo de destruição e reconstrução utópica do mundo - e o espírito revolucionário inerente a este tipo de pensamento. A instituição passa a ser aquilo que deve ser destruído e não mais legitimado pela arte.
Para esta nova arte, a crítica passa ter um papel determinante, afinal a arte agora tem um compromisso revolucionário e não mais institucional.
Agora, podemos compreender com maior clareza o panorama atual. As ideologias da modernidade não mais são aceitas de forma incondicional pela “vanguarda” (na verdade, o próprio conceito de vanguarda se diluiu) artístico-intelectual e assim, não há mais uma crença amplamente disseminada que justifique a necessidade de uma arte crítica, revolucionária, anti-institucional. Todas as dificuldades e sofrimentos gerados por uma atitude revolucionária (ou seja, a exclusão do circuito institucional e a condenação ao anonimato) não são mais vistos como gloriosos ou ascéticos. A arte revolucionária se enfraqueceu tanto que até mesmo a rebeldia (absorvida, domesticada e moderada a ponto de ser inofensiva à instituição) do consumismo “jovem”, é mais relevante atualmente em termos de validade em uma discussão sobre arte “alternativa”.
Mas, em termos estéticos, não temos uma nova arte, e sim uma continuação da tradição da arte modernista. O interessante é que esta tradição foi concebida a partir de uma perspectiva crítica; ou seja, modernista. É por isso que temos um grande afastamento, hoje, entre discurso e obra, entre público e obra. Uma performance, por exemplo, acontece hoje em dia com uma estética similar, mas com um propósito totalmente diferente de seu original. As primeiras performances eram intromissões, ações destinadas a perturbar a instituição, expondo-a ao ridículo. Hoje, as performances são institucionais e estão inclusive nas agendas de programação dos salões e festivais.
O mais non sense do processo é que os grupos que realizam tais performances (e outros tipos de produção, a performance é só um exemplo, é bom lembrar) insistem em manter um discurso pretensamente anti-institucional, embora obviamente falso em sua veracidade (ou melhor, na crença em sua veracidade. Ou melhor ainda, falso na crença de que é preciso ser realmente crítico para produzir uma arte pretensamente crítica).
É esta reutilização da tradição modernista de uma arte crítica e anti-institucional em uma produção acrítica e institucional que dá fundamentos àqueles que não vêem uma ruptura, mas sim uma continuidade na arte pós-moderna.
Destituído de seu élan revolucionário enquanto uma possibilidade passível de se tornar real, o artista atual herdeiro de uma tradição da qual mantém estética e discurso, mas não práxis, se encontra em uma miserável condição. Seu produto, queira ou não, não é comercial, não é artesanato. Portanto, sua arte só consegue agregar valor financeiro caso os mecanismos de legitimação (juízes de salões, críticos de arte, marchands) a consagrem. O poder desses mecanismos de consagração não tem bases sólidas, mas totalmente simbólicas, pois Duchamp demonstrou que absolutamente qualquer coisa pode ser uma obra de arte. Ou seja, não há mais o domínio de uma técnica, como havia antes da modernidade. A técnica hoje é domínio do artesanato, não da arte.
Assim, um objeto qualquer só pode ser considerado arte pela instituição se seus mecanismos de consagração, cuja única base é um discurso desprovido de qualquer razão lógica, o legitimarem enquanto obra de arte premiada e renomada no circuito dos salões e galerias.Um artesão vive de sua produção, mas um artista só pode viver da sua caso a instituição a aprove. Não há mais grupos inteiros dedicados a uma arte anti-institucional e crítica, como no passado. O artista atual, caso queira ser reconhecido como tal, só pode produzir projetos burocráticos destinados aos salões e torcer para que os juízes tenham simpatia por sua produção. A possibilidade deste tipo de produção institucional ter um espírito crítico ou anti-institucional é igual a zero, pois a instituição, a não ser como farsa ou eufemismo, jamais iria aprovar uma arte que lhe é hostil.
Tristemente, os artistas, por ignorância ou imoralidade (ou um pouco das duas coisas, como geralmente acontece), insistem em manter, em seus discursos, a tradição embalsamada do discurso radical modernista. São assim, verdadeiros pós-modernos, como os políticos que sempre estão ao lado de seus eleitores, os empresários que, antes de tudo, se preocupam com o bem estar de seus “colaboradores” ou mesmo os professores, que mentem para si mesmos ao afirmarem que estão comprometidos com a educação de seus alunos, quando na verdade não passam de miseráveis peões da ideologia dominante.

1 Comments:

Blogger Marly Cavalcanti said...

Quando leio essa postagem lembro de momentos que acreditei que Arte e Instituição eram coisas separadas. Mas já algum tempo e cada vez mais percebo que essa instituição nunca esteve separada dos artistas e de suas obras. Os muros dessa instituição e seus conceitos e critérios foram criados e compartilhados pelos artistas. As escolas, as galerias, os museus respiram o ar, falam a mesma linguagem, têm os mesmos critérios. Nenhuma Instituição pode existir se não lhes demos vida, se não cremos nela e compactuamos com suas idéias e critérios. Continuem fazendo a obra bacana que vocês estão fazendo. É assim que a gente deve apostar, fazendo... e diferente.
Saudações a todos.

maio 15, 2007 7:28 PM  

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